sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Fator de Risco e as Cartas Punidoras

Magic: the Gathering é um jogo de escolhas, que variam entre as mais simples e as mais complicadas possíveis, e são muito importantes para dar ao jogo o fator de imprevisibilidade que o torna divertido e interessante para todos os jogadores. No entanto um grupo de cartas, justamente centrada na tomada de decisões, sempre levanta um grande debate entre os jogadores, e isso torna a ocorrer com o lançamento de Guildas de Ravnica, que acontece hoje.

As cartas em questão são as chamadas cartas "punidoras", que permitem que ambos os jogadores tenham grande influência em como a mágica se resolve. Presentes no jogo desde Odisseia, elas receberam esse nome porque deixam o oponente decidir como vai ser punido, fazendo-o escolher entre opções que são boas para você ou simplesmente ruins para eles, e, como normalmente uma das opções é dano direto aos pontos de vida, esse tipo de carta ficou muito ligada à cor vermelha.
As punidoras de Odisseia
Em seu artigo "Um Tributo às Punidoras" Sam Stoddard, Designer de Jogo do Magic, nos conta um pouco sobre como essas cartas são desenvolvidas e balanceadas para o jogo. Em resumo, deseja-se que ambos os efeitos da carta sejam acima da média no seu custo, ou seja, a carta deve valer a pena ser conjurada de qualquer modo, deixando na mão do oponente a decisão de qual parte da carta vai ser usada. Além disso, enquanto que os dois efeitos devam ser claramente diferenciáveis, para que a escolha seja mais interessante, eles não podem ser distantes a ponto de a carta não fazer sentido em nenhum deck.

Com isso em mente podemos ver que Salva Flamejante, staple do formato Limitado de Odisseia, é um design muito inteligente, já que as duas habilidades são extremamente poderosas se custassem apenas um de mana, mas são facilmente contra-balanceadas pela do escolha do oponente. Usando os mesmos critérios também podemos perceber o fracasso da carta Queima de Livros. Que deck Burn se importa com o número de cartas no grimório oponente? E que deck Mill se importa com os pontos de vida? O resultado é que a carta não pode ser jogada em nenhum dos dois arquétipos, não se encaixa em nenhum deck.

A Dor das Punidoras


Então, porque estas cartas receberam tanta má fama? Bem, para começar, o simples fato de que o oponente é quem decide o resultado da mágica significa que a pior opção para você é que será a escolhida. Essa é uma das regras não ditas do Magic, e de jogos de estratégias em geral: dar a opção para o seu adversário é ruim. Um jogador sempre vai escolher o resultado que menos o prejudique e isso nos dá 100% de certeza de que nós que saímos perdendo na escolha do oponente.

Além disso, para que uma carta seja verdadeiramente boa, ela precisa manter sua qualidade pelos variados momentos do jogo. Se avaliássemos as cartas punidoras levando em conta apenas quando elas estão no seu melhor, ou seja, quando o oponente escolhe a opção que mais nos beneficia, todas elas seriam ótimas cartas. No entanto, sabemos que não é isso o que acontece, na verdade acontece o contrário, de modo que a carta acaba por ter um valor médio muito reduzido.

Vamos a um exemplo prático com a carta icônica que caracteriza as punidoras, Intimidar. Essa parece ser uma boa carta para um deck Burn, que pode pressionar os pontos de vida do oponente e também fazer uso de uma poderosa mágica de burn ou uma fonte de vantagem de cartas, que são os modos propostos por Intimidar. Nas primeiras vezes que a mágica é conjurada o oponente provavelmente vai escolher sofrer o dano e isso prossegue até que ele não possa mais se desprender desses pontos de vida. A partir desse ponto, Intimidar se torna uma carta morta, já que nenhuma cópia adicional dela vai conseguir baixar os pontos de vida do oponente para zero, o que significa que esta se torna uma das piores cartas para se ter no deck. No final das contas, o texto de Intimidar poderia ser substituído por "Cause 5 pontos de dano ao oponente. Se o oponente fosse morrer, ao invés disso compre três cartas".

Você pode argumentar, por exemplo "Mas nessa situação eu compraria três cartas, o que com certeza me daria mais mágicas de burn" e enquanto isso é um fato o preço é alto demais. Você estaria abrindo mão de ganhar o jogo para comprar três cartas, o que não é razoável. Sendo assim, no lugar de Intimidar você deveria considerar usar mágicas que são boas, e podem ganhar o jogo, em qualquer momento, como, Excelência em Pirotecnia e Raio Voltaico, que estão no mesmo custo convertido de mana.

De uma forma geral as cartas punidoras acabam por ser uma fonte de aprendizado para os jogadores novos. A partir delas eles aprendem a valorizar a tomada de iniciativa e a importância de ser quem toma as principais decisões quanto ao rumo do jogo.

Desenvolvimentos Recentes


Ainda assim a Wizards continuou lançando cartas punidoras, cada uma com sua peculiaridade e carregando com sigo o refino adquirido pelos anos de desenvolvimento do Magic, sendo que algumas delas são notáveis.

Na coleção Retorno de Avacyn fomos apresentados a Diabo Irritante, que rapidamente caiu nas graças dos jogadores como uma possível estrela nas listas de Burn. Enquanto teve algum sucesso no Standard da época, a carta não pegou no Modern justamente pelas fraquezas das cartas punidoras adicionada ao fato que a maioria dos decks consegue lidar com um drop-1 4/3. Mesmo assim vê-se potencial nesta carta até hoje e novas combiações que maximizem seu poder são tentadas a cada lançamento.

na coleção de Nascidos dos Deuses foi lançada uma mecânica punidora, Tributo, que apareceu principalmente nas cores vermelho e verde. As criaturas com Tributo davam ao oponente a opção de fazer com que elas crescessem em poder, com marcadores +1/+1, ou ativassem habilidades quando entravam no campo de batalha. Nelas o revés de ser uma péssima carta no fim do turno foi amenizado com status que fossem mais relevantes não importasse a escolha do oponente.

Um dos ciclos de punidoras mais recentes foi o ciclo de Tormentos lançado em Hora da Devastação. Essas cartas, que apareceram na cor preta, faziam cada oponente perder 3 pontos de vida a não ser que sacrificasse uma permanente que não fosse terreno ou descartasse uma carta. Dentre elas se destaca o Tormento do Granizo Flamejante, que se tornou uma staple instantânea no Commander e também teve seu poder explorado por algumas construções no Standard.
O ciclo de Tormentos

Um novo Fator


E isso nos trás a Guildas de Ravnica, quando os jogadores se agitaram e reacenderam o debate e a curiosidade acerca das cartas punidoras com o anúncio da carta Fator de Risco. A comparação com Intimidar aqui é evidente, já que as cartas têm o mesmo custo de mana convertido e, nos efeitos, o modo de vantagem de cartas é idêntico, mudando-se apenas  a quantidade do modo de dano de 4 para 5, mas há mais a se ver aqui. 


O primeiro ponto importante é que Fator de Risco é uma mágica instantânea, em oposição a Intimidar que é um feitiço. Isso traz um impacto inimaginável na forma como se usa as duas cartas. No caso de Intimidar você era obrigado a pagar os custos, que são consideravelmente altos para um deck Vermelho Aggro, no seu turno, anunciando completamente suas intenções seja qual for o modo que o oponente escolher. Isso era ainda mais grave quando o oponente já estava com os pontos de vida baixo, já que conjurar Intimidar era basicamente colocar uma contagem regressiva para o fim do jogo bem na frente do oponente.

Com Fator de Risco têm-se muito mais flexibilidade para fazer o oponente escolher quando ele menos espera, como por exemplo em resposta a uma mágica conjurada ou criaturas bloqueadoras declaradas, fazendo com que o adversário tenha que constantemente rever suas contas e pontos de vida para não ser morto. Só isso já te dá um efeito muito vantajoso de confundir o oponente. Além disso, como mágica instantânea, Fator de Risco pode ser conjurada na etapa final do oponente, colocando-o na posição delicada de te dar acesso a 3 novas cartas logo antes do seu turno.

O segundo ponto importante se deve à nova mecânica da guilda Izzet, Recarregar, que diz "Você pode conjurar este card do seu cemitério descartando um card além de pagar seus outros custos. Depois, exile este card". Isso mitiga a instabilidade no valor da carta, te permitindo conjurar mais desses efeitos mais rápido e, se você conjurar Fator de Risco um número de vezes suficiente, não importa qual modo o oponente escolher, ele vai estar à beira de perder o jogo.

Essa habilidade também resolve o problema dos decks Vermelho Aggro de perder o fôlego ou serem vítimas de uma inundação de terrenos. No fim do jogo você pode transformar qualquer terreno ou mágica inútil comprada num novo Fator de Risco em velocidade instantânea.

Esses fatores são muito impressionantes e, aliados ao deck certo, que aplique pressão aos pontos de vida do oponente e minimize as saídas dele quando ele tomar as decisões, podem realmente ter um impacto considerável, principalmente no Standard, formato que é um pouco mais lento e mais aberto ao custo de Fator de Risco frente às suas habilidades. Essa é mais uma história cujo desenvolvimento teremos que esperar para ver.

Seja na sua forma clássica ou em novas e refinadas interações, as mágicas punidoras fazem parte do que faz o Magic uma experiência tão agradável. E você já jogou com alguma dessas cartas? Tem algum efeito punidor preferido? E qual você acha que vai ser o impacto de Fator de Risco nos variados formatos em que é legal? Sinta-se livre para usar nossa seção de comentários. Obrigado pela leitura.

Thiago Santos

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