sexta-feira, 27 de abril de 2018

Sagas como foram desenvolvidas

O hiato foi longo, meus caros, muito longo, mas os Artesãos do Magic estão de volta à ativa, finalmente. E hoje é uma data especial, não somente para celebrar a nossa volta, mas para celebrar o Magic: the Gathering como jogo em si. Hoje é o lançamento de Dominária, uma coleção para comemorar os 25 anos de aniversário do jogo e a primeira a voltar ao plano original do Magic em uma década.

E nessa festa os presentes não faltaram, a maioria deles envolto de uma aura nostálgica inevitável, afinal, a nostalgia é um dos temas principais e recorrentes do set. No entanto, de todos os possíveis retornos, entre planinautas, lugares, criaturas lendárias e mecânicas, o que mais chama atenção é o retorno de uma pessoa que compartilha o plano da Terra conosco, e trouxe com ela uma grande inovação, tanto em essência quanto em mecânica. E essa pessoa é Richard Garfield.

Richard Garfield esteve na Equipe de Desenvolvimento para Dominária

Richard Garfield já passou do ponto de ser "apenas" o criador do Magic há muito. Com um currículo extenso, que inclui TCGs, CCGs e Jogos de Tabuleiros ele continua mostrando porque é um mestre no que faz e, cada vez que ele volta para desenvolver algo para o MTG coisas grandiosas acontece e nós recebemos um set que se destaca em suas mecânicas. Foi assim em Ravnica, foi assim em Innistrad e é assim agora.

Na Visão, parte inicial do desenvolvimento de cada coleção, já se havia definido que a História seria o ponto central de Dominária. Como sabemos, a História é feita de histórias e há grandes delas para serem contadas, mas como traduzi-las em uma mecânica? Foi então que Mark Roosewater se lembrou dos antigos protótipos de planinautas. Cartas que tinham uma lista de efeitos, em que o primeiro se ativava assim que a carta entrava em campo de batalha e, depois disso, os seguintes se ativariam uma vez por turno, em sequência. Com essa ideia em mente, Garfield criou o que seria o protótipo das sagas que vemos na coleção.

Numa primeira olhada as cartas podem parecer complicadas, mas são facilmente identificáveis como mecânicas que poderiam pertencer ao Magic. Sabendo da história por trás do desenvolvimento é intuitivo pensar que essas cartas viriam ao campo de batalha com algum tipo de marcador no primeiro espaço, que seria ativado imediatamente, e que uma vez por turno esse marcador passaria, ou tentaria passar, para a próxima etapa. O que a Saga faz exatamente é explicitado pelo ícone nos espaços e explicado no texto da parte de baixo da carta e, se o espaço estiver vazio, a carta provavelmente não faz nada.

Dá pra ver a experiência que o Richard Garfield tem em Jogos de Tabuleiro e como ele facilmente traduziu isso para um jogo de cartas nesses protótipos. Nessas cartas você é o protagonista da história, quem queima o Vale dos Lótus em busca de mana, que tem poder para abençoar suas criaturas pretas com a Lua Maligna em um jogo e também fortalecê-las e trazer o Armagedom em outro. Em algumas a história só avança se você atinge certa condição no jogo. A Prensa Negra não se move sem a perícia necessária, um necromante poderoso não é nada sem Mortos Inquietos para invocar e, quando está face a face com a derrota, é você quem supera a morte. Nesses protótipos há um caráter personalista muito forte. Você vive cada uma dessas histórias e faz cada uma delas a sua própria.

Mecanicamente, cada uma dessas cartas é uma condição de vitória, basicamente contagens regressivas para o fim do jogo. Duas delas, Mistério da Prensa Negra e Conto da Quase Derrota, chegam a até mesmo incluir a cláusula "Você ganha o jogo" em seus textos. No entanto elas também exigem algumas restrições na construção do deck para serem totalmente eficientes e isso viria com o risco de ter seus planos arruinados por uma remoção, supondo que elas seriam permanentes no campo de batalha, como vieram a ser.

A partir deste ponto a construção das cartas foi modelagem e pivotagem, para que elas contassem as histórias pretendidas e que todas as informações sobre essas cartas, que estariam estreando no Magic, estariam presentes e claramente impressas, e daí se fez valer a experiência da Equipe de Desenvolvimento do Magic para tomar decisões importantes.

A primeira delas é fazer o uso do tipo Encantamento e ter Saga como um supertipo. Isso facilita a interação dos jogadores, seja o dono, seja o oponente, com essas novas permanentes, já que já existe no Magic uma pletora de cartas que se referem a esse tipo com inúmeros objetivos, como destruir, buscar, ativar ou ganhar habilidades diversas.

Outra resolução muito importante foi reduzir e limitar o número de etapas que cada Saga teria. De fato, se as Sagas tivessem 5 ou 6 etapas como os protótipos, não haveria espaço suficiente para explicar todas as regras e todos os efeitos e elas perderiam qualidade na mecânica, na arte e na complexidade necessária para usá-las.

A escolha mais bela foi, sem dúvidas, adotar uma moldura específica e especial. Esse é um movimento que vem de uma evolução lenta, mas duradoura, nas molduras de Magic, que inclui o uso do frame moderno nas cartas e também as séries Obra Prima. O grande destaque aqui vai, sem questionamentos para as incríveis artes verticais criadas para retratar a história de Dominária com objetos do plano, como tapeçarias, vitrais, pinturas e esculturas. Simplesmente magníficas.

A última decisão que tomo nota é fazer com que elas deixem o campo de batalha quando chegam ao marcador final. Diferentemente das Contrações que vemos em Unstable (que, a propósito, têm muito em comum com as Sagas: são um novo supertipo inserido em um tipo já conhecido e familiar, que têm efeitos ativados em etapas, e uma vez por turno, e que usam uma moldura específica e facilmente identificável) as Sagas ativam seus efeitos por si próprias e caminham em linha reta rumo ao seu final. Depois que ativassem sua última etapa elas ficariam inúteis e complicariam o campo de batalha, então é interessante fazer com que elas saiam, e até melhor, como histórias que têm começo meio e fim.

Todas essas e muitas outras decisões feitas pelo caminho nos entregaram este produto incrível.



Há diferenças claras quanto aos protótipos que vimos há alguns minutos. Nessas Sagas você não é o protagonista das histórias, mas sim o espectador daquilo que transformou este mundo no que ele é. Poucas destas Sagas são condições de vitória por si só, mas todas elas te ajudam a chegar ao seu objetivo, seja te acelerando ou atrasando seus oponentes.

Essas Sagas são a história de um mundo, mas também a história do Magic. Um marco das transformações que ocorreram até aqui e do caminho percorrido e por esse motivo elas não poderiam ser jamais ignoradas. No fim o mais importante é aprender com elas, pois só um tolo esquece o próprio passado.

E quais foram as suas impressões sobre as Sagas? Gostou delas? Qual a sua arte preferida? Conseguiu tirar alguma em booster? Sinta-se livre para usar nossa seção de comentários. Você também pode nos alcançar na página, email (artesaosdomagic@gmail.com) ou twitter (@artesaosdomagic). Obrigado pela leitura.

Thiago Santos